"...vou cantar para você, um pouco desafinado talvez, mas vou cantar. (...) Para cantar é preciso primeiro abrir a boca. É preciso ter um par de pulmões e um pouco de conhecimento de música. Não é necessário ter harmônica ou violão. O essencial é querer cantar. Isto é, portanto, uma canção. Eu estou cantando." (Henry Miller, Trópico de Câncer)
quinta-feira, 11 de novembro de 2010
Racismo e etnocentrismo
Não se iludam: nem o fascismo morreu, nem tampouco as idéias de superioridade racial, étnica ou de classe social.
Só pra citar alguns casos: expulsão de ciganos búlgaros e romenos pelo governo francês (Sarkozy); restrição à direitos de imigrantes nos EUA; dificuldades na concessão de visto à imigrantes latinos, africanos e asiáticos para os países centrais (EUA, França, Inglaterra, Alemanha); movimentos discriminatórios contra migrantes em geral, e nordestinos em particular, em algumas cidades brasileiras; proibição do véu/burca na França; e por aí vai.
quinta-feira, 4 de novembro de 2010
Diálogos
Guimarães Rosa: Primeiras Estórias, "A partida do audaz navegante".
domingo, 31 de outubro de 2010
Nana Caymmi - Rio Sonata
O filme mostra trechos de músicas, shows e entrevistas de Nana entremeadas com imagens do Rio de Janeiro, ora idílico, ora popular.
Nana Caymmi é para os humilhados, ofendidos e atormentados pelo amor, pela paixão, pela saudade, pela angústia.
"Eu quero amar demais, sem poupar coração, pois pra mim o amor que apraz é uma louca paixão. O amor só satisfaz além da razão".
"Só louco amou como eu amei".
"Respondo que ele [o tempo] aprisiona, eu liberto. Que ele adormece as paixões e eu desperto".
"Sorri; quando tudo terminar, quando nada mais restar do seu sonho encantador".
Tudo isto na voz de Nana.
Tentei o "boys don't cry"; só durou poucos minutos.
quinta-feira, 14 de outubro de 2010
Entre canções e sustentabilidade - SWU
Enfim, vamos ao que interessa: segue o link de texto brilhante do Pedro Alexandre Sanches (que manja tudo e mais um pouco de MPB) sobre o festival.
http://pedroalexandresanches.blogspot.com/2010/10/sem-lenco-sem-documento-ou-vida-nao-se.html
domingo, 8 de agosto de 2010
Janelas
Naquela estrada, cuja ida se aproximava de Jesus do Céu e cuja vinda se achegava à Nós do Morro, fez a felicidade.
Não que a Felicidade se construa, assim, como prédio, ainda mais vindo de destroços. Mesmo porque ela não tem a intenção de chegar ao céu, só mesmo de passear em algumas mentes ansiosas. Naquele momento, ela preferiu fincar bases no telhado da casa d’Ele, bem perto de onde Ele recolhia as sobras de uma briga qualquer; e como estava cansada de perambular por aí, por ali, por cá e nada receber em troca, ainda que apenas oferecesse momentos fugidios, decidiu ficar lá mesmo.
E como falei de destroços e de brigas, cumpre saber o que se sucedera naquelas margens.
Na realidade, somente dois trens desembestados, em tamanho inversamente proporcional às idéias, resolvendo antigas querelas patrimoniais; no final, nada com ninguém, apenas com Ele o objeto da discussão: algumas ferramentas para arar a terra e uma mão de sementes de maçã-real, cuja doçura, segundo especialistas, é superior à maçã-imperial e à grande-maçã, cultivadas que são lá no estrangeiro. Coisa rara, portanto.
Mas como os dois destrambelhados não se importaram com as sementes caídas na grama, Ele achou por bem pegá-las, lavá-las e plantá-las em seu terreno, junto à beira do lago.
Seu terreno era acidentado, caído para o lago Lorraine, curvilíneo; no plano, na beira da estrada, montara uma ampla casa-galpão de alvenaria, sem muitas paredes e cujo pé-direito, “Jesuis Cristinho Mãe de Deus!” diziam os visitantes mais afoitos ao notá-lo, quase tocava nuvens mais desatentas, largas e soltas ao léu. Tudo muito arborizado, ventilado.
Nas noites outonais Ele saía ao relento, à varanda, à rua, à vida. A brisa que corria pela casa e saía pela janela do quarto trazia o hálito da noite e preparava a manhã seguinte, perfumando os corredores, os corpos, as almas.
Noutra manhã, era a canção que circulava pelos corredores, unindo-se à brisa noturna, insuflando lirismo nas veias d’Ele; a cavalgada das Valquírias, sem poupar corações, parou bruscamente na sala ao ouvir o som de uma voz singular declarando que naquele lugar as estrelas desenhavam o chão no qual pisava, distraída, uma jovem. E o desenho indicava formas geométricas salpicadas de cores primárias, vivas, únicas, tal qual mosaico. E a jovem revelava tudo o que foi, tudo o que é, tudo o que havia de ser.
A jovem entrou pela porta frontal em direção ao sofá; vestia uma camiseta simples e uma calcinha branca; sem sutiãs, realçava seus pequenos seios no corpo leve, magro, alto, esguio, na pele escura. Seus seios, maçãs suculentas, saborosos, como líquido agridoce, palpáveis; as mãos trêmulas, nervosas, rápidas, indecisas, tocando-os, apertando-os; deslizando ao colo, contornando os quadris. Aproximando, corpo-a-corpo, no parapeito, sem parar os lábios ao redor, em tudo. Os dedos nos pêlos do entreaberto já emotivo, a bocânus. Em pé, sentados, deitados, em ângulos; engole em goles de suor. Tensão. Tem são?
Na loucura, a mando da paixão,
amando, sem senhor, sem patrão,
sem razão.
Sim senhor, escravo;
escrevo o que dá na telha.
E o que dá no telhado é maçã-real.
Jorram maçãs e peitos e mãos e palavras.
Liquidifico.
Líquido, flui.
Liquefaço.
Li, que, fazemos.
Pela janela da sala avistei a cena e notei; estou só, e isto é tudo. Não há nada de novo debaixo do sol, nem tampouco acima da terra. O céu permanecia, no seu ritmo habitual; fluidez.
quarta-feira, 24 de março de 2010
quinta-feira, 10 de dezembro de 2009
Sobre: a "redenção" ou "não é possível sair da vida ileso"
Particulamente, a segunda opção é a mais apropriada para explicar não apenas o filme, mas algumas (ou muitas) situações desta nossa vida ordinária.
domingo, 26 de julho de 2009
Caso: caos casual causal
- Não interessa... isto é lá jeito de se chegar à uma mulher? Medíocre!
- Ah, então você é do tipo intelectual-sensível?
- Petulante...
- Já sei...que tal você resolver meu problema existencial sendo minha Beauvoir?
- Arghh..... sai de perto de mim seu asqueroso!
- Então é do tipo limpinha..
- Idiota! Saia daqui! Você tá me incomodando! Vou chamar meu namorado...
- Baby, desista. Eu te amo e isto é tudo. Você quer beber alguma coisa pra relaxar?
- Acho que não...estou cansada e minhas pernas doem, vou pra casa descansar. Quanto à me amar, esqueça, não acredito nisto, assim, tão rápido.
- Eu também estou cansado, mas vou pra sua casa dormir. Lá é o meu habitat agora.
- Nem pense nisso... tenho namorado e família. Se quiser, te dou uma nova chance, num outro dia a gente sai pra almoçar. Depois disto, nada mais. Eu vivo a minha vida e você me esquece. Que tal?
- Já evoluí...pelo menos tenho uma proposta de um reencontro. Quanto à sua família e seu namorado, esqueça-os: apenas somos nós dois daqui pra frente.
Respiração curta, acelerada e movimentos desajeitados.
- Ah, meu amor, eu fico sem graça já na primeira vez....fico tímida.
- Nem pense em timidez agora...falou ele, com olhar malicioso. Quero o seu carinho, sua atenção, seu sorriso, suas lágrimas, seu coração, sua mente, sua alma. Quero invadir você, mesmo porque você já dominou meu estado de espírito.
Ela tirou o salto alto, deitou-se no sofá e pensou que talvez nada fosse mais precioso que a liberdade de se mostrar tal como veio ao mundo.
domingo, 14 de junho de 2009
Modinha
"não havia" era o que se dizia
em além, nas cercanias.
Mas havia também, um porém,
mesmo sem qualquer vintém,
de alegria se vivia.
Nos idos daquela festa junina,
onde nem brisa existia,
tudo se resolveu.
Choveu, amanheceu, nasceu, cresceu.
E pra terminar minha modinha,
pr'eu cuidar das plantinhas,
me amei com Aninha.
Canto n° 07
Homero ajoelhou-se no centro da sala e pensou no amor perdido, na noite enluarada, na brisa que entrava pela janela. E morreu assim, ouvindo a canção “eu quero estar com você, até nós sermos um só, até meu corpo saber o seu de cor, até jamais saciar...até meu rosto enrugar...”
Era um sábado à noite, frio, de opções natimortas; o aparelho de som ainda reproduzia, na voz contralto, rouca e sussurrante “eu quero estar com você...”
O coração permanecia na mesma temperatura corpórea e seu tamanho era sutilmente maior ao tamanho em vida; sangue ainda podia ser observado pelas portas, janelas e paredes. Expelido das veias e artérias próximas ao coração, sangue jorrando forte e veloz.
O sangue escorrendo caudaloso, vivo, sedento, a partir do coração na derradeira pulsação, continuou sua saga, percorrendo toda a cidade, na atmosfera, entrou na rodovia, chegou ao litoral e viu a onda perdida, batendo nas pedras.
Ali apenas o choro, misturando às lágrimas, sal, areia, ondas e pedras. E todos ao fundo do oceano, unindo-se aos ectoplasmas da vida oceânica.
A broca da empresa petroleira parou de funcionar ao bater em um achado geológico: uma multidão de peixes e plantas, toda a fauna e flora marinhas, alimentando-se de uma formação indefinida, multicor, multiforme, de onde saíam lágrimas e sangue em ondas vertiginosas.
domingo, 26 de abril de 2009
Pausa
Deixo alguns sons fundamentais, que têm feito minha cabeça ultimamente:
- Let's stay together, Al Green
- Eu Quero Estar Com Você, Nana Caymmi
- Por Causa de Você, Nana Caymmi
domingo, 19 de abril de 2009
Da série "pare o mundo que eu vou descer"
A concessionária de serviços ferroviários no Rio de Janeiro, SuperVia, brindou seus "clientes" da Central do Brasil com chicotes, agressões, espacamentos e cacetadas. Para a porta do trem ser fechada, mesmo com a superlotação evidente, o método de "amansar gado" era posto em prática: chicotadas. O diretor de Marketing da empresa diz ""Quem segura as portas é marginal. Segurar a porta é crime, e mais de 200 já foram para cadeia esse ano". Deste trem, com certeza, eu quero descer. Só falta a CPTM, aqui em SP, adotar a moda....
E continuando no Rio, o governador do Rio de Janeiro decidiu construir muros para impedir a expansão das favelas. Chamou isto de "eco-limites", afirmando proteger o meio ambiente ainda intacto. Sem falar que este mesmo governador, Sérgio Cabral (PMDB-RJ), falou que as favelas são "fábricas de marginais"; além disto prometeu acabar com o "caveirão", carro da PM carioca que invade morros e favelas com o batalhão do BOPE, o que não ocorreu até agora.
É o apartheid social brasileiro; aos do andar de cima, habeas corpus em tempo recorde, defesa incontinenti dos direitos individuais e da liberdade, reportagens e editoriais favoráveis, juros nas alturas, empréstimos milionários do BNDES, que em última instância é dos trabalhadores brasileiros (via FAT), com carência e juros "camaradas" e por aí vai. Aos do andar de baixo: chicotes, cacetetes, caveirão, muro, desemprego, favelas, etc.
Registre-se que o governador do Rio de Janeiro é cotado a ser candidato a vice-presidente da República com Dilma Rousseuff (PT), escolhida por Lula, na cabeça da chapa. Seria, segundo os políticos envolvidos na montagem desta coligação, uma candidatura de "centro-esquerda", sócio-desenvolvimentista, com a união de trabalhadores e empresários nacionais. É a velha tese cepalina (CEPAL) da busca por uma burguesia nacional forte que levaria o país à níveis de desenvolvimento europeus e à modernização capitalista.
Para constatação: EMBRAER, CSN, USIMINAS e VALE decidiram, em função da crise ecônomica, demitir parte dos seus quadros, mesmo com os empréstimos governamentais; há ainda os sonegadores compulsivos, dos quais nem quero falar, porque a lista é vasta. Se for depender deste tipo de empresário para modernizamos a sociedade brasileira, eu quero mudar de país.
Se é isto que a agenda de esquerda tem a oferecer, tô fora.
domingo, 29 de março de 2009
sexta-feira, 6 de março de 2009
Poema idílico
tatear,
alisar os fios
ondulados,
lado a lado
a sós.
Até encontrar-me em si.
Si, escala maior.
Tom tão assim
é cacofonia.
O descobrimento do riacho por entre a mata; o viajante, como flecha, se dirige ao fio d'água que mata a sede.
quinta-feira, 5 de março de 2009
Da série "pare o mundo que eu vou descer"
Uma adolescente é presa em uma delegacia do interior do Pará junto com homens que a estupram diversas vezes; instado sobre o motivo do ocorrido, o delegado diz não saber a idade real da adolescente, esquecendo-se do problema principal: uma menina no meio de homens. Para piorar, o delegado afirma acerca da adolescente: “é débil, desequilibrada”, ou qualquer coisa do gênero, pois não informara a idade real no ato da entrada na prisão.
Uma menina pernambucana de 9 anos é estuprada pelo padrasto. Descobre-se sua gravidez de risco. O hospital, cumprindo a lei, faz o aborto dos gêmeos. O padre, cumprindo o mal cheiroso direito canônico, excomunga os médicos e a mãe da criança pela “violência” com que trataram o feto mal formado, mal sabe ele, também num útero mal formado. Na sequência, o pároco diz ser o aborto mais grave se comparado ao estupro; segundo a lei, Código Penal, este é crime contra a liberdade sexual e aquele crime contra a vida. Detalhe: o padrasto não foi excomungado pela igreja. É o "estupra, mas não aborta" em versão mais cruel.
Diversas crianças da cidade de Catanduva/SP são vítimas de uma suposta rede de pedofilia. Há muitas dúvidas ainda sobre a autoria dos supostos delitos. Entretanto, depois da repercussão, ao tentarem voltar às aulas e à vida normal, tais crianças são vítimas das “brincadeiras” de seus colegas de classe: “mulherzinha, mulherzinha” é um dos exemplos de epítetos dados às vítimas.
Uma “pop star” americana apanha severamente do namorado, também “pop star” e também americano, de forma a ficar com os olhos inchados e o rosto deformado. Posteriormente, ela perdoa o namorado, que promete comprar “muitos presentes” para mostrar seu arrependimento e seu “amor renovado”.
Uma mulher nordestina, não me lembro agora a cidade de seu nascimento, apanha seguidas vezes do marido a ponto de ter recebido tiros nas costas, ficando tetraplégica. Informa a polícia, que diz “não poder fazer nada”. Tempos depois, no Congresso Brasileiro, é aprovada uma lei de proteção às mulheres, que leva seu nome.
A crise financeira avança e se cogita salvar bancos, seguradoras e montadoras de automóveis e as cifras da ajuda governamental já passam dos trilhões (só pra lembrar: doze zeros, 000.000.000.000); mesmo em crise, altos executivos e diretores continuaram recebendo astronômicas gratificações e "bônus de desempenho" ao custo do aumento do desemprego na linha de produção. O aumento dos aposentados e pensionistas brasileiros que recebem o salário mínimo é de 50 reais; em Davos na Suiça, alguns artistas, entre eles Bono Vox e Sharon Stone, prometem ajuda de alguns milhares de dólares para ajuda humanitária para um país africano, verba insuficiente para acabar com a fome, desnutrição e a falta de educação e saúde; alguns governadores brasileiros entraram na Justiça contra o salário mínimo de 950 reais para os professores da rede pública. A desproporcionalidade dos valores citados é brutal.
Os exemplos são muitos; passe os olhos pelas notícias dos últimos meses e analise.
O progresso material não nos fez mais civilizados, nem agora, nem nunca.
Talvez Hannah Arendt explique a maldade e a crueldade humanas.
Que Deus nos salve, porque perdidos já estamos.
Alguém mais inconformado por aí?
sexta-feira, 30 de janeiro de 2009
Canto n° 06
Um sofá puído, um ventilador de teto, uma lâmpada de luz amarela e fraca e uma noite de brisa leve. A brisa anunciava uma noite com frio e ventos intensos. Silêncio. Ausências.
Apenas o rapaz, inamovível e semitrajado, isto porque suas últimas peças de roupa foram incineradas à bem da saúde pública por insensíveis, e também inamovíveis, funcionários públicos.
Não mais trabalhava, nem mais continuava como pedinte nas ruas e cruzamentos do centro da cidade; saíra desta situação pré-miserabilidade há muito tempo.
Agora, sobrevivia daquilo deixado por alguém. Deixado pra trás, esquecido, já usado e inutilizado. Conseguira reciclar o então inutilizável.
O penúltimo lugar não invadido pela Besta-Fera era sua casa, se é que podia chamar-se assim, construída no meio do deserto. Asseveram os cientistas pela impossibilidade científica de existir por aquelas bandas por muito tempo.
Mas o tempo corria, modorrentamente, e o rapaz permanecia e pensava. Pensava em si e no entorno, calor e frio e dia e noite, contraditoriamente.
Morava no deserto e a geografia era simples: planícies de areias, e areias e areias, sem fim, nem começo.
É o viver extremo, sem meio-termos, sem concessões.
- O morno será vomitado.
Só a consciência e a imaginação.
No deserto não há muros, pensava ele. O muro limita, delimita, marca e divide. Só no deserto não há limites. Entretanto, há sede e frio e solidão. É vida seca.
- E esta casa, bem aqui, com quartos, sala e banheiros, segregando o Eu e os demais...não sei...
- Engraçado, uma das catástrofes climáticas será o surgimento de mais desertos.
Mais desertos?
Pois é, aliada à aridez das pessoas, teremos a aridez física; é a psicanálise se antecipando à geografia.
- A ausência de água poderia ser associada à ausência de amor?
- Não, não. Chega de clichês idiotas, não me salvarão.
- Contudo, quem há de me salvar aqui, senão eu mesmo? Como posso falar em salvação se cá estou? Não há outra margem a ser buscada, se nem rio há.
O último lugar não invadido pela Besta-Fera foi seu pensamento.
Donde ela nasceu.
Estava viva; assim, ele redivivo.
Sobre a casa, no deserto, chovia.
O entorno, seco.
Uma cachoeira dava para o quarto, com a nascente no teto e a foz no delta de Afrodite. Suas águas se encontraram e caminharam para o oceano; no horizonte se avistava uma grama rala e insegura.
segunda-feira, 19 de janeiro de 2009
Canto n° 05
Microconto do amor à beira da crise.
Era uma vez uma menina magra, muito magra, tão magra que parecia flutuar no ar.
Era uma vez um menino muito desiludido, tão desiludido que não queria nem mais sonhar.
Era uma vez uma história, tão real, que está aqui, ainda, no peito. Ela quer sair, emergir do mundo das idéias e virar coisa palpável, com gosto, calor, lágrimas, cheiros e calafrios.
E "era uma vez" deve ser definitivamente esquecido.
A história é agora.
Pois é feita na vida diária, na busca incessante pelo porvir melhor, quase próximo, dizem as más línguas, talvez após a enésima-crise-econômica-social-do-juízo-final-do-pós-nada.
Feita por ambos, com sofreguidão, espasmos, gritos, gemidos curtos e sussurros longos.
E da última hecatombe atual, donde diziam não haver mais nada a acrescentar na humanidade implodida, renasceram.
Ela continuou flutuando, não no ar, mas nos sonhos dele.
Ele voltou a sonhar, no ar e no corpo dela.
quinta-feira, 1 de janeiro de 2009
Canto n° 04
Ele, cansado. Ela, agitada.
Ele, Ela
Não, não.
Não sei.
Sim, sim, agora....
Hummm...
Talvez, como será?
Ele, ela, ele.
Ela, ele, ela.
Não quero mais!
Se não for apenas, nunca mais
ele, ela!
Só, elaeele
para toda a eternidade.
Amém.
quarta-feira, 31 de dezembro de 2008
Interlúdio econômico
Inicialmente, Galbraith pode ser enquadrado política e economicamente como um "reformista"; acredita no sistema capitalista de produção e distribuição de bens, pois premiaria a liberdade dos agentes envolvidos, entretanto, nega-lhe a qualidade da "justiça". O "justo" seria alcançado, segundo ele, com a intervenção estatal para retirar as assimetrias de distribuição de renda naturais no sistema. Assim, filia-se à corrente econômica dos "keynesianos", que, no Brasil, é identificada como "desenvolvimentista" ou, "sócio-desenvolvimentista", na visão de Guido Mantega, Ministro da Fazenda (esta frase-conceito foi publicada nos jornais brasileiros em meados de novembro ou dezembro de 2006, por ocasião da vitória reeleitoral do candidato da centro-esquerda, Luiz Inácio Lula da Silva, cuja candidatura era apoiada pelo ministro) .
Sem querer adentrar a discussão macroeconômica e política, mas fixando-me somente no tema do livro, Galbraith rompe com alguns clichês utilizados para explicar o motivo de grandes massas, principalmente de áreas rurais, viverem em penúria.
Argumentos como "as pessoas são pobres porque o país é pobre", "são pobres os países que adotaram o socialismo", "são pobres os países que adotaram o capitalismo", "as pessoas são pobres porque não tem educação adequada", "as pessoas são pobres porque são desqualificadas", "as pessoas são desqualificadas porque são pobres", entre outros, são frontalmente desmacarados com os fatos.
Contra os fatos, portanto, não há argumentos.
Assim, países como Japão, Formosa e Hong Kong demonstraram ser possível haver redução de pobreza mesmo sem se possuir recursos naturais em abundância; de outro modo, houve países socialistas com baixo índice de pobreza, casos de Eslovênia e Croácia, e outros com a situação inversa, casos de Cuba e Vietnã. Também há capitalistas pobres (Venezuela, Bolívia, Cingapura, etc.) e ricos (EUA, Inglaterra, França, etc.); a educação ora é causa, ora é efeito da pobreza. Enfim, um nonsense total, sem quaisquer bases empíricas.
Esqueça o lugar-comum, Galbraith coloca a questão em outros termos: a pobreza pode ser explicada pelos conceitos de acomodação e equílibrio da miséria.
Acomodação é a tendência verificada em todo ser humano de permanecer com a rotina diária, sem alterá-la e, equilíbrio da miséria é a redução de eventuais ganhos de renda, à patamares ainda mais inferiores, nos casos onde não há escape possível. Tais processos não permitiriam aos individuos a libertação da situação de pobreza; desta feita, caberia ao Estado determinar as políticas públicas necessárias ao escape individual dos que assim o desejassem.
Tendo sempre a adoção da educação básica, para fugir à acomodação e trazer consciência social, e a educação tecnológica, para dotar de ferramentas os indivíduos, como referenciais, o escape da penúria se daria ou internamente, com investimentos públicos e privados, a fim de coibir ao volta ao equilíbrio anterior de miséria, gerando e mantendo os empregos no setor agrário ou, se daria externamente mediante dois processos migratórios: migração urbana para áreas industriais ou imigração para outro países onde as condições de existência fossem mais propícias ou menos tramáticas.
Ao concordar com o economista latino Raul Prebisch, destacando a industrialização, e a respectiva substituição de importações, como uma modalidade de escape a ser testada por países com grandes contingentes humanos na pobreza, Galbraith destaca alguns pontos a serem seguidos, mas que não podem ser considerados como a receita da felicidade eterna de uma nação, pois já seria exercício de futurologia, são eles:
- segurança jurídica ao direito de propriedade ;
- infra-estrutura adequada (telecomunicações, energia, transporte, etc);
- suprimento de capital, por investimentos estrangeiros ou públicos/privados, com uma organização honesta e inteligente como intermediária dos empréstimos;
- indústrias pioneiras em áreas estratégicas com garantias públicas;
- treinamento tecnológico e especializado.
Ao analisar a situação brasileira e a receitinha do Galbraith, noto que caminhamos para aplicação integral do receituário, pois: 1) houve recentes alterações no Código Civil e no código de Processo Civil com o fito de garantir a propriedade e defender o credor em um eventual inadimplemento do devedor, além de mudanças na lei de falências; 2) há um programa estatal cuja finalidade é aumentar o crescimento econômico brasileiro com investimentos públicos e privados em infra-estrutura, além do criação do Fundo Soberano do Brasil, visando criar poupança para momentos de crise; 3) autonomia "extra-constitucional" ao Banco Central; 4) estatais fortes em petróleo, petroquímica e energia ou bancos/empresas públicas com poder de veto nos setores de mineração, siderurgia, telecomunicações e financeiro e 5) enquadramento do Senai, Senac, Sesi e Sesc para aumento de vagas gratuitas em suas instalações e cursos tecnológicos, aumento de escolas técnicas federais, incentivos à alunos de licenciatura, notadamente de física, matemática, química e biologia e, aumentos de vagas gratuitas em faculdades particulares.
Por fim, ao caminhar ao centro do espectro político, intencionalmente ou pela intuição de seu líder maior, o PT (Partido dos Trabalhadores), deixou de ser um partido revolucionário marxista para se tornar um partido reformista "sócio-desenvolvimentista". A pergunta que paira: tais políticas continuarão pelos próximos presidentes ou, o que dirá o eleitor, em 2010, acerca destas mesmas políticas?
segunda-feira, 22 de dezembro de 2008
Canto n° 03
Mais eis que ele surgiu, não o dia, que já enfeiara, mas o amor mesmo, tao escondido pelas bandas de cá, tímido mesmo de sua condição análoga de escravo. Porque o amor escraviza, de verdade, dizem os mais desesperados. Ao menos a liberdade, deve imaginar o Amor, já que o tema é escravidão, com tantas câmeras de vigilância, portais de relacionamento e senhas, também estava destinada a conviver presa, presa pela desconfiança.
Porém, voltando ao amor que apareceu naquele dia, chuvoso, na praia; e aconteceu de repente, não mais que de repente.
Esqueça estas coisas de sentimentos nobres, olhares, sensações e que tais, Ele apenas olhava para o horizonte, no banco de concreto debaixo de parcos coqueiros colocados às pressas pela municipalidade, a fim de mostrar serviço em tempos eleitorais, e nada mais. Então, caro curioso, Ele estava sentado no banco apenas porque descansava da caminhada matinal.
Ela também estava no banco, contudo, preocupada com o seu telefone celular, sem sinal e sem créditos, logo hoje, pensava Ela, que eu preciso agendar horário com a manicure.
Improvável, o amor, não é mesmo?!
Porque o amor sempre começa nas situações improváveis e sempre com um toque de gentileza: Ele emprestou seu telefone à Ela e a conversa fluiu. Fluiu, como matéria orgânica, tal qual seiva. Seiva da vida, do alimento necessário, do prazer: adrenalina, suores, suspiros, sons e silêncio. Conversa baixa, suspeita, ao pé do ouvido, sorrisos contidos, toques involuntários. Conversa iniciada pelo preço da ligação telefônica, pela má qualidade dos serviços, pela praia, suja, pelo tempo ruim, pela chuva, pelas dificuldades rotineiras, enfim, conversa que muda de assunto para decretar a felicidade geral à nação, para descobrir que é melhor estarem juntos, pois sozinhos seria desperdício de felicidade. E, convenhamos, atualmente desperdiçar felicidade é jogar pérola aos porcos; mais um casal infeliz é de lascar!
As cenas seguintes não precisam ser descritas, curioso leitor bisbilhoteiro das histórias alheias, pois versam sobre o comum, o corriqueiro e o tradicional. Eles casaram , brigaram, separaram, divorciaram, voltaram a morar juntos, tiveram filhos, contas pra pagar, netos, traições, desamores. Não necessariamente nesta ordem e com intensidades diferentes, por exemplo, o “tiveram filhos” foi mais relevante que o “contas pra pagar”; das “traições”, então, nem se fale, caso para romance. E assim, viveram felizes para sempre.