quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

Sobre: a "redenção" ou "não é possível sair da vida ileso"

É o que se pode resumir do filme "Desejo e Reparação" (Atonement, baseado na obra do escritor Ian McEwan, de Joe Wright, com James McAvoy e Keira Knightley).

Particulamente, a segunda opção é a mais apropriada para explicar não apenas o filme, mas algumas (ou muitas) situações desta nossa vida ordinária.

domingo, 26 de julho de 2009

Caso: caos casual causal

- Você vem sempre aqui?
- Não interessa... isto é lá jeito de se chegar à uma mulher? Medíocre!
- Ah, então você é do tipo intelectual-sensível?
- Petulante...
- Já sei...que tal você resolver meu problema existencial sendo minha Beauvoir?
- Arghh..... sai de perto de mim seu asqueroso!
- Então é do tipo limpinha..
- Idiota! Saia daqui! Você tá me incomodando! Vou chamar meu namorado...
- Baby, desista. Eu te amo e isto é tudo. Você quer beber alguma coisa pra relaxar?
- Acho que não...estou cansada e minhas pernas doem, vou pra casa descansar. Quanto à me amar, esqueça, não acredito nisto, assim, tão rápido.
- Eu também estou cansado, mas vou pra sua casa dormir. Lá é o meu habitat agora.
- Nem pense nisso... tenho namorado e família. Se quiser, te dou uma nova chance, num outro dia a gente sai pra almoçar. Depois disto, nada mais. Eu vivo a minha vida e você me esquece. Que tal?
- Já evoluí...pelo menos tenho uma proposta de um reencontro. Quanto à sua família e seu namorado, esqueça-os: apenas somos nós dois daqui pra frente.

Respiração curta, acelerada e movimentos desajeitados.

- Ah, meu amor, eu fico sem graça já na primeira vez....fico tímida.
- Nem pense em timidez agora...falou ele, com olhar malicioso. Quero o seu carinho, sua atenção, seu sorriso, suas lágrimas, seu coração, sua mente, sua alma. Quero invadir você, mesmo porque você já dominou meu estado de espírito.

Ela tirou o salto alto, deitou-se no sofá e pensou que talvez nada fosse mais precioso que a liberdade de se mostrar tal como veio ao mundo.

domingo, 14 de junho de 2009

Modinha

Não havia pão, não havia leite,

"não havia" era o que se dizia

em além, nas cercanias.

Mas havia também, um porém,

mesmo sem qualquer vintém,

de alegria se vivia.

Nos idos daquela festa junina,

onde nem brisa existia,

tudo se resolveu.

Choveu, amanheceu, nasceu, cresceu.

E pra terminar minha modinha,

pr'eu cuidar das plantinhas,

me amei com Aninha.

Canto n° 07

Homero ajoelhou-se no centro da sala e pensou no amor perdido, na noite enluarada, na brisa que entrava pela janela. E morreu assim, ouvindo a canção “eu quero estar com você, até nós sermos um só, até meu corpo saber o seu de cor, até jamais saciar...até meu rosto enrugar...”

Era um sábado à noite, frio, de opções natimortas; o aparelho de som ainda reproduzia, na voz contralto, rouca e sussurrante “eu quero estar com você...”

O coração permanecia na mesma temperatura corpórea e seu tamanho era sutilmente maior ao tamanho em vida; sangue ainda podia ser observado pelas portas, janelas e paredes. Expelido das veias e artérias próximas ao coração, sangue jorrando forte e veloz.

O sangue escorrendo caudaloso, vivo, sedento, a partir do coração na derradeira pulsação, continuou sua saga, percorrendo toda a cidade, na atmosfera, entrou na rodovia, chegou ao litoral e viu a onda perdida, batendo nas pedras.

Ali apenas o choro, misturando às lágrimas, sal, areia, ondas e pedras. E todos ao fundo do oceano, unindo-se aos ectoplasmas da vida oceânica.

A broca da empresa petroleira parou de funcionar ao bater em um achado geológico: uma multidão de peixes e plantas, toda a fauna e flora marinhas, alimentando-se de uma formação indefinida, multicor, multiforme, de onde saíam lágrimas e sangue em ondas vertiginosas.

domingo, 26 de abril de 2009

Pausa

Darei uma pequena parada no blogue, em função de muitos trabalhos, trabalhos e mais trabalhos.

Deixo alguns sons fundamentais, que têm feito minha cabeça ultimamente:

- Let's stay together, Al Green

- Eu Quero Estar Com Você, Nana Caymmi

- Por Causa de Você, Nana Caymmi

domingo, 19 de abril de 2009

Da série "pare o mundo que eu vou descer"

Pois é, a série continua.

A concessionária de serviços ferroviários no Rio de Janeiro, SuperVia, brindou seus "clientes" da Central do Brasil com chicotes, agressões, espacamentos e cacetadas. Para a porta do trem ser fechada, mesmo com a superlotação evidente, o método de "amansar gado" era posto em prática: chicotadas. O diretor de Marketing da empresa diz ""Quem segura as portas é marginal. Segurar a porta é crime, e mais de 200 já foram para cadeia esse ano". Deste trem, com certeza, eu quero descer. Só falta a CPTM, aqui em SP, adotar a moda....

E continuando no Rio, o governador do Rio de Janeiro decidiu construir muros para impedir a expansão das favelas. Chamou isto de "eco-limites", afirmando proteger o meio ambiente ainda intacto. Sem falar que este mesmo governador, Sérgio Cabral (PMDB-RJ), falou que as favelas são "fábricas de marginais"; além disto prometeu acabar com o "caveirão", carro da PM carioca que invade morros e favelas com o batalhão do BOPE, o que não ocorreu até agora.

É o apartheid social brasileiro; aos do andar de cima, habeas corpus em tempo recorde, defesa incontinenti dos direitos individuais e da liberdade, reportagens e editoriais favoráveis, juros nas alturas, empréstimos milionários do BNDES, que em última instância é dos trabalhadores brasileiros (via FAT), com carência e juros "camaradas" e por aí vai. Aos do andar de baixo: chicotes, cacetetes, caveirão, muro, desemprego, favelas, etc.

Registre-se que o governador do Rio de Janeiro é cotado a ser candidato a vice-presidente da República com Dilma Rousseuff (PT), escolhida por Lula, na cabeça da chapa. Seria, segundo os políticos envolvidos na montagem desta coligação, uma candidatura de "centro-esquerda", sócio-desenvolvimentista, com a união de trabalhadores e empresários nacionais. É a velha tese cepalina (CEPAL) da busca por uma burguesia nacional forte que levaria o país à níveis de desenvolvimento europeus e à modernização capitalista.

Para constatação: EMBRAER, CSN, USIMINAS e VALE decidiram, em função da crise ecônomica, demitir parte dos seus quadros, mesmo com os empréstimos governamentais; há ainda os sonegadores compulsivos, dos quais nem quero falar, porque a lista é vasta. Se for depender deste tipo de empresário para modernizamos a sociedade brasileira, eu quero mudar de país.

Se é isto que a agenda de esquerda tem a oferecer, tô fora.

domingo, 29 de março de 2009

Entretessências

Entreter,
ter você entre,
inter tido.
Entre...
em tudo, me apetece.
Me tece o porvir.

sexta-feira, 6 de março de 2009

Poema idílico

Ter, tocar,
tatear,
alisar os fios
ondulados,
lado a lado
a sós.

Até encontrar-me em si.
Si, escala maior.
Tom tão assim
é cacofonia.

O descobrimento do riacho por entre a mata; o viajante, como flecha, se dirige ao fio d'água que mata a sede.

quinta-feira, 5 de março de 2009

Da série "pare o mundo que eu vou descer"

Uma criança em São Paulo/SP é jogada pela janela do apartamento pelos pais; não se sabe ainda o motivo, se é que houve algum.

Uma adolescente é presa em uma delegacia do interior do Pará junto com homens que a estupram diversas vezes; instado sobre o motivo do ocorrido, o delegado diz não saber a idade real da adolescente, esquecendo-se do problema principal: uma menina no meio de homens. Para piorar, o delegado afirma acerca da adolescente: “é débil, desequilibrada”, ou qualquer coisa do gênero, pois não informara a idade real no ato da entrada na prisão.

Uma menina pernambucana de 9 anos é estuprada pelo padrasto. Descobre-se sua gravidez de risco. O hospital, cumprindo a lei, faz o aborto dos gêmeos. O padre, cumprindo o mal cheiroso direito canônico, excomunga os médicos e a mãe da criança pela “violência” com que trataram o feto mal formado, mal sabe ele, também num útero mal formado. Na sequência, o pároco diz ser o aborto mais grave se comparado ao estupro; segundo a lei, Código Penal, este é crime contra a liberdade sexual e aquele crime contra a vida. Detalhe: o padrasto não foi excomungado pela igreja. É o "estupra, mas não aborta" em versão mais cruel.

Diversas crianças da cidade de Catanduva/SP são vítimas de uma suposta rede de pedofilia. Há muitas dúvidas ainda sobre a autoria dos supostos delitos. Entretanto, depois da repercussão, ao tentarem voltar às aulas e à vida normal, tais crianças são vítimas das “brincadeiras” de seus colegas de classe: “mulherzinha, mulherzinha” é um dos exemplos de epítetos dados às vítimas.

Uma “pop star” americana apanha severamente do namorado, também “pop star” e também americano, de forma a ficar com os olhos inchados e o rosto deformado. Posteriormente, ela perdoa o namorado, que promete comprar “muitos presentes” para mostrar seu arrependimento e seu “amor renovado”.

Uma mulher nordestina, não me lembro agora a cidade de seu nascimento, apanha seguidas vezes do marido a ponto de ter recebido tiros nas costas, ficando tetraplégica. Informa a polícia, que diz “não poder fazer nada”. Tempos depois, no Congresso Brasileiro, é aprovada uma lei de proteção às mulheres, que leva seu nome.

A crise financeira avança e se cogita salvar bancos, seguradoras e montadoras de automóveis e as cifras da ajuda governamental já passam dos trilhões (só pra lembrar: doze zeros, 000.000.000.000); mesmo em crise, altos executivos e diretores continuaram recebendo astronômicas gratificações e "bônus de desempenho" ao custo do aumento do desemprego na linha de produção. O aumento dos aposentados e pensionistas brasileiros que recebem o salário mínimo é de 50 reais; em Davos na Suiça, alguns artistas, entre eles Bono Vox e Sharon Stone, prometem ajuda de alguns milhares de dólares para ajuda humanitária para um país africano, verba insuficiente para acabar com a fome, desnutrição e a falta de educação e saúde; alguns governadores brasileiros entraram na Justiça contra o salário mínimo de 950 reais para os professores da rede pública. A desproporcionalidade dos valores citados é brutal.

Os exemplos são muitos; passe os olhos pelas notícias dos últimos meses e analise.

O progresso material não nos fez mais civilizados, nem agora, nem nunca.

Talvez Hannah Arendt explique a maldade e a crueldade humanas.

Que Deus nos salve, porque perdidos já estamos.

Alguém mais inconformado por aí?

sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

Canto n° 06

À cachoeira de águas límpidas

Um sofá puído, um ventilador de teto, uma lâmpada de luz amarela e fraca e uma noite de brisa leve. A brisa anunciava uma noite com frio e ventos intensos. Silêncio. Ausências.

Apenas o rapaz, inamovível e semitrajado, isto porque suas últimas peças de roupa foram incineradas à bem da saúde pública por insensíveis, e também inamovíveis, funcionários públicos.

Não mais trabalhava, nem mais continuava como pedinte nas ruas e cruzamentos do centro da cidade; saíra desta situação pré-miserabilidade há muito tempo.

Agora, sobrevivia daquilo deixado por alguém. Deixado pra trás, esquecido, já usado e inutilizado. Conseguira reciclar o então inutilizável.

O penúltimo lugar não invadido pela Besta-Fera era sua casa, se é que podia chamar-se assim, construída no meio do deserto. Asseveram os cientistas pela impossibilidade científica de existir por aquelas bandas por muito tempo.

Mas o tempo corria, modorrentamente, e o rapaz permanecia e pensava. Pensava em si e no entorno, calor e frio e dia e noite, contraditoriamente.

Morava no deserto e a geografia era simples: planícies de areias, e areias e areias, sem fim, nem começo.

É o viver extremo, sem meio-termos, sem concessões.

- O morno será vomitado.

Só a consciência e a imaginação.

No deserto não há muros, pensava ele. O muro limita, delimita, marca e divide. Só no deserto não há limites. Entretanto, há sede e frio e solidão. É vida seca.

- E esta casa, bem aqui, com quartos, sala e banheiros, segregando o Eu e os demais...não sei...

- Engraçado, uma das catástrofes climáticas será o surgimento de mais desertos.
Mais desertos?

Pois é, aliada à aridez das pessoas, teremos a aridez física; é a psicanálise se antecipando à geografia.

- A ausência de água poderia ser associada à ausência de amor?

- Não, não. Chega de clichês idiotas, não me salvarão.

- Contudo, quem há de me salvar aqui, senão eu mesmo? Como posso falar em salvação se cá estou? Não há outra margem a ser buscada, se nem rio há.

O último lugar não invadido pela Besta-Fera foi seu pensamento.

Donde ela nasceu.

Estava viva; assim, ele redivivo.

Sobre a casa, no deserto, chovia.

O entorno, seco.

Uma cachoeira dava para o quarto, com a nascente no teto e a foz no delta de Afrodite. Suas águas se encontraram e caminharam para o oceano; no horizonte se avistava uma grama rala e insegura.

segunda-feira, 19 de janeiro de 2009

Canto n° 05

Microconto do amor à beira da crise.


Era uma vez uma menina magra, muito magra, tão magra que parecia flutuar no ar.
Era uma vez um menino muito desiludido, tão desiludido que não queria nem mais sonhar.
Era uma vez uma história, tão real, que está aqui, ainda, no peito. Ela quer sair, emergir do mundo das idéias e virar coisa palpável, com gosto, calor, lágrimas, cheiros e calafrios.
E "era uma vez" deve ser definitivamente esquecido.
A história é agora.
Pois é feita na vida diária, na busca incessante pelo porvir melhor, quase próximo, dizem as más línguas, talvez após a enésima-crise-econômica-social-do-juízo-final-do-pós-nada.
Feita por ambos, com sofreguidão, espasmos, gritos, gemidos curtos e sussurros longos.
E da última hecatombe atual, donde diziam não haver mais nada a acrescentar na humanidade implodida, renasceram.
Ela continuou flutuando, não no ar, mas nos sonhos dele.
Ele voltou a sonhar, no ar e no corpo dela.

quinta-feira, 1 de janeiro de 2009

Canto n° 04

Ele, pensativo. Ela, apreensiva.
Ele, cansado. Ela, agitada.
Ele, Ela
Não, não.
Não sei.
Sim, sim, agora....
Hummm...
Talvez, como será?
Ele, ela, ele.
Ela, ele, ela.
Não quero mais!
Se não for apenas, nunca mais
ele, ela!
Só, elaeele
para toda a eternidade.
Amém.