segunda-feira, 22 de dezembro de 2008

Canto n° 03

O dia amanhecera como sempre, a vida corria como dantes e o amor nestes tempos do cólera, realmente, não era conversa de boteco; era qualquer coisa, menos realidade.

Mais eis que ele surgiu, não o dia, que já enfeiara, mas o amor mesmo, tao escondido pelas bandas de cá, tímido mesmo de sua condição análoga de escravo. Porque o amor escraviza, de verdade, dizem os mais desesperados. Ao menos a liberdade, deve imaginar o Amor, já que o tema é escravidão, com tantas câmeras de vigilância, portais de relacionamento e senhas, também estava destinada a conviver presa, presa pela desconfiança.

Porém, voltando ao amor que apareceu naquele dia, chuvoso, na praia; e aconteceu de repente, não mais que de repente.

Esqueça estas coisas de sentimentos nobres, olhares, sensações e que tais, Ele apenas olhava para o horizonte, no banco de concreto debaixo de parcos coqueiros colocados às pressas pela municipalidade, a fim de mostrar serviço em tempos eleitorais, e nada mais. Então, caro curioso, Ele estava sentado no banco apenas porque descansava da caminhada matinal.

Ela também estava no banco, contudo, preocupada com o seu telefone celular, sem sinal e sem créditos, logo hoje, pensava Ela, que eu preciso agendar horário com a manicure.

Improvável, o amor, não é mesmo?!

Porque o amor sempre começa nas situações improváveis e sempre com um toque de gentileza: Ele emprestou seu telefone à Ela e a conversa fluiu. Fluiu, como matéria orgânica, tal qual seiva. Seiva da vida, do alimento necessário, do prazer: adrenalina, suores, suspiros, sons e silêncio. Conversa baixa, suspeita, ao pé do ouvido, sorrisos contidos, toques involuntários. Conversa iniciada pelo preço da ligação telefônica, pela má qualidade dos serviços, pela praia, suja, pelo tempo ruim, pela chuva, pelas dificuldades rotineiras, enfim, conversa que muda de assunto para decretar a felicidade geral à nação, para descobrir que é melhor estarem juntos, pois sozinhos seria desperdício de felicidade. E, convenhamos, atualmente desperdiçar felicidade é jogar pérola aos porcos; mais um casal infeliz é de lascar!

As cenas seguintes não precisam ser descritas, curioso leitor bisbilhoteiro das histórias alheias, pois versam sobre o comum, o corriqueiro e o tradicional. Eles casaram , brigaram, separaram, divorciaram, voltaram a morar juntos, tiveram filhos, contas pra pagar, netos, traições, desamores. Não necessariamente nesta ordem e com intensidades diferentes, por exemplo, o “tiveram filhos” foi mais relevante que o “contas pra pagar”; das “traições”, então, nem se fale, caso para romance. E assim, viveram felizes para sempre.

2 comentários:

Deisezinha disse...

Amém :)

Fernando A. Medeiros disse...

Três vivas aos períodos longos, aos parágrafos gigantescos!
Palavras de fôlego! Lirismo impagável. Ah, e é claro: a ironia de um ilustre homem de Direito!