domingo, 8 de agosto de 2010

Janelas

Na estrada da Divisa recolheu os destroços de Além do Mar.
Naquela estrada, cuja ida se aproximava de Jesus do Céu e cuja vinda se achegava à Nós do Morro, fez a felicidade.
Não que a Felicidade se construa, assim, como prédio, ainda mais vindo de destroços. Mesmo porque ela não tem a intenção de chegar ao céu, só mesmo de passear em algumas mentes ansiosas. Naquele momento, ela preferiu fincar bases no telhado da casa d’Ele, bem perto de onde Ele recolhia as sobras de uma briga qualquer; e como estava cansada de perambular por aí, por ali, por cá e nada receber em troca, ainda que apenas oferecesse momentos fugidios, decidiu ficar lá mesmo.
E como falei de destroços e de brigas, cumpre saber o que se sucedera naquelas margens.
Na realidade, somente dois trens desembestados, em tamanho inversamente proporcional às idéias, resolvendo antigas querelas patrimoniais; no final, nada com ninguém, apenas com Ele o objeto da discussão: algumas ferramentas para arar a terra e uma mão de sementes de maçã-real, cuja doçura, segundo especialistas, é superior à maçã-imperial e à grande-maçã, cultivadas que são lá no estrangeiro. Coisa rara, portanto.
Mas como os dois destrambelhados não se importaram com as sementes caídas na grama, Ele achou por bem pegá-las, lavá-las e plantá-las em seu terreno, junto à beira do lago.
Seu terreno era acidentado, caído para o lago Lorraine, curvilíneo; no plano, na beira da estrada, montara uma ampla casa-galpão de alvenaria, sem muitas paredes e cujo pé-direito, “Jesuis Cristinho Mãe de Deus!” diziam os visitantes mais afoitos ao notá-lo, quase tocava nuvens mais desatentas, largas e soltas ao léu. Tudo muito arborizado, ventilado.
Nas noites outonais Ele saía ao relento, à varanda, à rua, à vida. A brisa que corria pela casa e saía pela janela do quarto trazia o hálito da noite e preparava a manhã seguinte, perfumando os corredores, os corpos, as almas.
Noutra manhã, era a canção que circulava pelos corredores, unindo-se à brisa noturna, insuflando lirismo nas veias d’Ele; a cavalgada das Valquírias, sem poupar corações, parou bruscamente na sala ao ouvir o som de uma voz singular declarando que naquele lugar as estrelas desenhavam o chão no qual pisava, distraída, uma jovem. E o desenho indicava formas geométricas salpicadas de cores primárias, vivas, únicas, tal qual mosaico. E a jovem revelava tudo o que foi, tudo o que é, tudo o que havia de ser.
A jovem entrou pela porta frontal em direção ao sofá; vestia uma camiseta simples e uma calcinha branca; sem sutiãs, realçava seus pequenos seios no corpo leve, magro, alto, esguio, na pele escura. Seus seios, maçãs suculentas, saborosos, como líquido agridoce, palpáveis; as mãos trêmulas, nervosas, rápidas, indecisas, tocando-os, apertando-os; deslizando ao colo, contornando os quadris. Aproximando, corpo-a-corpo, no parapeito, sem parar os lábios ao redor, em tudo. Os dedos nos pêlos do entreaberto já emotivo, a bocânus. Em pé, sentados, deitados, em ângulos; engole em goles de suor. Tensão. Tem são?

Na loucura, a mando da paixão,
amando, sem senhor, sem patrão,
sem razão.
Sim senhor, escravo;
escrevo o que dá na telha.
E o que dá no telhado é maçã-real.
Jorram maçãs e peitos e mãos e palavras.
Liquidifico.
Líquido, flui.
Liquefaço.
Li, que, fazemos.


Pela janela da sala avistei a cena e notei; estou só, e isto é tudo. Não há nada de novo debaixo do sol, nem tampouco acima da terra. O céu permanecia, no seu ritmo habitual; fluidez.

2 comentários:

Anônimo disse...

Enfim, terminou o texto :D
Ficou muito bom

Deisezinha disse...

Enfim, terminou o texto :D
Ficou muito bom